VIAGEM PELA Química

PH: A beleza do equilíbrio

No complexo e abrangente mundo da química, existem poucas unidades de medição que sejam tão transversais quanto o pH. A simples escala que o mede pode revelar segredos bem guardados ou dar a indicação de que é preciso reagir perante um potencial problema. Porque há muito para além do que nos diz a pequena tira que vai do vermelho ao azul.

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A medição

O pH, acrónimo de Potencial Hidrogeniónico (isto é, a presença de iões positivos ou catiões), é o índice que indica a acidez, alcalinidade ou neutralidade de qualquer solução líquida em que o solvente seja água, que é o mesmo que dizer “aquosa”. A escala que o mede varia entre 0 e 14, sendo o ponto neutro o 7. Se o valor do pH for igual a 7, a solução é neutra; se for inferior a 7, é ácida; se for maior que este valor, é básica ou alcalina.

No entanto, o simples aumento ou diminuição de uma unidade na escala não significa que a solução seja apenas uma vez mais alcalina ou ácida. O pH é medido de acordo com uma escala logarítmica, ou seja, a diminuição ou aumento de uma unidade são sempre multiplicados por dez a cada unidade. Por exemplo, um pH de 5 é dez vezes mais ácido que um pH de 6, e cem vezes mais ácido que um pH de 7.

Quanto aos métodos de medição, embora em contexto industrial seja frequente o uso de aparelhos de elevada sofisticação que fornecem leituras eletrónicas, a forma mais corrente é a utilização de indicadores ácido-base, isto é, substâncias que mudam de cor para indicar o resultado.

Entre as mais usadas encontra-se a fenolftaleína, que fica incolor quando adicionada a um meio ácido e rosa num meio alcalino, bastando depois comparar a tonalidade com uma escala com diferentes cores para obter o resultado; outro é o papel de tornassol (mistura de diversos pigmentos orgânicos extraídos de líquenes), que fica vermelho na presença de ácidos e azul na presença de bases.

A obtenção dos valores de pH também é possível a partir de elementos naturais. O surgimento espontâneo de espécies de plantas no solo é um bom indicador da sua acidez ou alcalinidade, pelo facto de essas mesmas espécies só se desenvolverem sob determinadas condições. Outro bom exemplo que nos traz a botânica é o da hortênsia, que quando tem flor azul indica um solo ácido, e quando rosa um solo alcalino.

Água? Não. Cerveja

A criação da escala de pH ocorreu na segunda metade do século XIX, época em que o estudo da química estava florescente e foram estabelecidos muito conceitos físico-químicos.

Como em muitas descobertas científicas, também neste caso o que parecia óbvio não se verificou, e não foi pela água, no seu estado puro, que surgiu a primeira necessidade de medir o pH.

O pai da descoberta foi o bioquímico dinamarquês Soren Sorensen, então diretor do laboratório de uma marca de cerveja naquele país escandinavo. Concluindo que seria relevante controlar a quantidade de iões de hidrogénio na cerveja, já que isso teria efeitos no produto final, criou a notação pH e a respetiva escala. O “p” tem origem no alemão “potenz” ou no francês “puissance” (a origem não é consensual entre a comunidade científica), enquanto o “H” significa iões de hidrogénio (H+).

Da agricultura ao corpo humano

O conhecimento dos valores pH é um importante aliado de vários setores de atividade, tais como a agricultura, agronomia, aquicultura, biologia, engenharias (alimentar, ambiental, civil, florestal, química, de materiais), medicina, entre outras.

Na agricultura, a acidez ou alcalinidade dos solos é um fator determinante para o sucesso de culturas, na medida em que cada espécie exige um pH adequado para o seu desenvolvimento. Por exemplo, o milho necessita de um pH de 5,5 a 7,5, enquanto o arroz apresenta melhores resultados em solos com pH entre 5,0 e 6,5. Conhecendo o nível de acidez do solo e a necessidade das diferentes culturas, é possível fazer a correção do pH através da adição de substâncias químicas.

Outras das áreas em que é crucial a manutenção de um nível adequado do pH é o sangue humano. A sua permanência dentro de um determinado intervalo (entre 6,9 e 7,8) é fundamental para a saúde das células. Caso estes valores sejam ultrapassados (para mais ou para menos), pode estar-se perante graves problemas de saúde ou até mesmo correr risco de morte.

O pH do sangue é considerado ligeiramente alcalino, pois o normal é que o seu índice se situe entre 7,35 e 7,45. A sua entrada num nível inferior provoca aquilo que se designa por acidose, enquanto um quadro de maior alcalinidade indica alcalose.

Um farol para o planeta

Se a saúde, os mais diversos organismos ou as mais diferentes atividades humanas dependem da constância do pH, também para o planeta Terra no seu todo este revela ser um fator determinante. Devido à estreia relação existente entre os vários ecossistemas, um desvio significativo no equilíbrio do pH num dos “pilares” do planeta pode gerar uma reação em cadeia e, em última análise, determinar a existência de Vida.

É este o caso dos oceanos, cujas alterações verificadas no pH constituem um indicador muito relevante do impacto das alterações climáticas. De acordo com dados publicados pela Agência para a Proteção do Ambiente dos Estados Unidos (EPA), o dióxido de carbono existente na atmosfera aumentou cerca de 40% entre os níveis pré-industriais e o início do século XXI, ou seja, dez vez mais que o que ocorreu na Terra em milhões de anos. Quando o CO2 se dissolve na água, provoca diversas reações químicas que resultam numa acidez superior. O efeito é ainda potenciado pela precipitação das designadas “chuvas ácidas”, cujo pH se situa tipicamente entre 4,2 e 4,4.

Como resultado - revela aquele organismo norte-americano - antes da Revolução Industrial o pH médio dos oceanos era de cerca de 8,2, mas atualmente é de cerca de 8,1. Pode não parecer significativo, mas, na realidade, devido à escala logarítmica de medição, significa que a acidez do oceano é hoje, em média, cerca de 25% mais elevada do que era na época pré-industrial. Trata-se de um aumento nunca antes observado desde que há registos do passado geológico do planeta, que nos revela que a acidez dos oceanos é maior que em qualquer outro momento dos últimos dois milhões de anos.

Mas esta alteração tende a acentuar-se. Ainda segundo a EPA, o decréscimo pode atingir até 0,4 unidades perto do final do século, o que representaria uma água até 120% mais ácida. Este facto seria gerador de um impacto sem precedentes nos ecossistemas marinhos e para os bilhões de pessoas que dependem do oceano para garantir sua sobrevivência.

A aparente simplicidade da escala criada por Sorensen revela a beleza do equilíbrio, mas também pode espelhar realidades avassaladoras. Porque do vermelho ao azul pode ir, efetivamente, uma grande diferença.

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