VIAGEM PELA Química

A química… agora a cores

As cores fazem parte do nosso quotidiano, influenciando diretamente a forma como percecionamos o que nos rodeia, as nossas escolhas e até o nosso apetite. O azul do céu, o branco de uma parede caiada ou o vermelho vivo de uma cereja madura não são apenas detalhes visuais; são manifestações de uma ciência fascinante: a química. Mas já parou para pensar como é que surgem as cores e porque vemos uma determinada tonalidade?

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Como é que vemos a cor?

Para compreendermos como vemos as cores, temos de investigar um pouco mais sobre a interação entre a luz e o olho humano. A perceção das cores inicia-se quando a luz entra nos nossos olhos e é captada por células especializadas chamadas cones, localizadas na retina. Cada tipo de cone responde a três diferentes comprimentos de onda (curto, médio e longo, que em termos de cores correspondem ao espectro azul, ao verde e ao vermelho), permitindo-nos distinguir milhões de tonalidades. No entanto, a cor não reside nos objetos si, mas é o resultado da interação entre a luz e as moléculas desses objetos. Cada molécula possui uma assinatura química específica, determinando quais cores são absorvidas e quais são refletidas.

Por exemplo, imagine que está a observar um morango. As moléculas na casca do morango absorvem a maioria do verde e do azul, mas não o vermelho, que é refletido. É precisamente por isso que vemos o morango nessa tonalidade. Já um objeto preto absorve quase toda a luz, enquanto um objeto branco reflete praticamente toda a luz recebida.

Do laboratório para o nosso quotidiano

Historicamente, os corantes e pigmentos eram extraídos de fontes naturais como plantas, minerais, animais e até de alguns metais. Contudo, essas fontes apresentavam limitações tanto em termos de disponibilidade, como de estabilidade da cor e das variedades cromáticas que eram possíveis obter.

A revolução deu-se no século XIX com a síntese de corantes artificiais. Em 1856, e enquanto tentava sintetizar quinina em laboratório, o jovem químico William Perkin descobriu acidentalmente a mauveína, ou púrpura de anilina, o primeiro corante sintético. Esta descoberta abriu o caminho para toda uma indústria de corantes sintéticos, oferecendo uma paleta de cores mais ampla, com maior durabilidade e resistência e, não menos importante, com um custo de produção mais baixo.

Desde então, surgiram pigmentos avançados como os baseados em óxidos de ferro, reconhecidos pela sua estabilidade, resistência extrema aos raios UV, à chuva, à poluição e às altas temperaturas, tornando-se essenciais em tintas para a indústria automóvel e para os revestimentos arquitetónicos, por exemplo.

Outro avanço significativo foi introdução de tintas de nitrocelulose em 1921, que asseguram uma acrescida aderência nas superfícies, uma aplicação fácil e uma secagem muito rápida, além de serem muito mais resistentes a intempéries. A partir dos anos 1950, surgiram esmaltes acrílicos e revestimentos à base de água que reduziram a emissão de compostos orgânicos voláteis (COV). Componentes que, dependendo da sua composição, podem ter efeitos secundários nefastos na saúde humana (são carcinogénicos) e provocar reações fotoquímicas que contribuam para a formação de ozono troposférico.

Hoje, a química moderna continua a inovar com revestimentos protetores avançados, como as tintas em pó sem solventes, que oferecem uma proteção durável com um impacto ambiental mais reduzido.

As cores da sustentabilidade

A química das cores vive num delicado equilíbrio entre a necessidade de criar pigmentos e corantes estáveis e resistentes aos elementos, mas que sejam ambientalmente sustentáveis. Muitos produtos tradicionais ainda têm um elevado impacto ambiental, seja pelas matérias-primas utilizadas ou pelos resíduos e emissões geradas durante a sua produção.

A resposta da química tem sido desenvolver alternativas mais ecológicas, com recurso a matérias-primas renováveis como os resíduos agrícolas, as algas e diferentes extratos vegetais (como a película das uvas). Estes materiais naturais, combinados com aglutinantes biodegradáveis como a goma arábica ou os óleos vegetais, permitem criar produtos seguros para o ambiente e para a saúde humana. Além de reduzirem drasticamente a emissão de COV, as tintas naturais são também menos prejudiciais para a qualidade do ar interior. Optar por esta abordagem ecológica permite ainda valorizar os recursos renováveis (como os resíduos orgânicos) e apoiar as economias locais através do uso de matérias-primas regionais, contribuindo significativamente para uma economia circular.

A indústria química também está a apostar em materiais inovadores, como as novas poliamidas semitransparentes, que combinam durabilidade, resistência química e estabilidade cromática em condições ambientais difíceis, reduzindo a necessidade de substituições frequentes e diminuindo o desperdício.

Um futuro brilhante e colorido

Outro avanço notável é a cor estrutural. Graças ao trabalho ao nível das nano e microestruturas, é possível produzir cor através da reflexão e não da absorção da luz. Esta inovação não só elimina substâncias nocivas, como reduz drasticamente o calor absorvido por edifícios ou veículos, contribuindo para a eficiência energética e para o combate ao aquecimento global.

Este processo de criação de cor ainda tem de ser simplificado e ganhar “escala” para reduzir os custos e cumprir os requisitos da produção em massa. Mas as vantagens são evidentes, já que as tintas baseadas neste método são muito mais eficientes (menos quantidade para pintar a mesma área), não desvanecem com o tempo, absorvem menos calor, não são tóxicas e contribuem para a redução de emissões de carbono na produção e na gestão dos resíduos.

Outro caminho que está a ser explorado é a criação da próxima geração de pigmentos e cores a partir de celulose vegetal. As substâncias convencionais utilizadas para tornar os nossos cosméticos, tecidos, tintas e embalagens mais coloridos incluem frequentemente ingredientes metálicos ou derivados do petróleo. Por exemplo, o dióxido de titânio (TiO2) é amplamente utilizado para produzir o branco, mas ao estudar o escaravelho Cyphochilus (totalmente branco), os cientistas imitaram a nano-estrutura no interior do exoesqueleto do escaravelho (que reflete apenas luz branca) e replicaram-na numa cadeia de moléculas de celulose.

Química, a aliada omnipresente

Desde a compreensão da luz e dos recetores do nosso olho até ao desenvolvimento de pigmentos e corantes avançados e sustentáveis, a química das cores é fundamental na forma como percecionamos o nosso “universo” visual e desempenha um papel essencial na sustentabilidade ambiental.

Das descobertas históricas de Isaac Newton e de William Perkin até às modernas inovações no campo da cor e das tintas, a química continua a contribuir para tornar o mundo ambientalmente mais consciente e, claro, muito mais divertido.

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